�Eu n�o vou morrer aqui�,
o testemunho pessoal de Ana Estrada
�Depois de sentir os primeiros tremores, percebi imediatamente que n�o tinha outra sa�da sen�o colocar-me debaixo da minha secret�ria. Fic�mos sem electricidade e uma nuvem de p� instalava-se. Quando o solo deixou de serpentear o p�nico estava instalado na maioria das pessoas, tentei manter a calma e chamar pelos meus colegas que estavam no escrit�rio comigo, ao mesmo tempo ouvia pessoas a gritar, outras que batiam desesperadamente nas paredes e portas. Eu n�o tinha ideia de como sair dali.
Debaixo dos escombros, vi a luz de uma lanterna que um colega tinha. Tentei manter a calma e disse-lhe �est�s com um penteado espectacular�. Sa�ram todos primeiro que eu, por um buraco que o tremor criara. A minha posi��o era mais complicada.
Assim que tentava perceber como podia sair dali, mais uma r�plica que me obrigava a colocar novamente a cabe�a debaixo da mesa. Finalmente, e depois de pensar �eu n�o vou morrer aqui�, comecei a tirar tudo o que me impedia a passagem em direc��o � luz. Aquela luz ao fundo do t�nel. Ouvia os meus colegas l� fora a chamarem-me. Sem chinelos, mas tamb�m muito bem penteadinha, com escoria��es e equimoses espalhadas pelo corpo. Banhada de p�, que j� dificultava a respira��o, sa�. Estou viva!
A partir dai, fui procurar malas de primeiros socorros e comecei a ajudar os feridos. Um cen�rio catastr�fico: amputados, fracturas expostas, c�rebros � vista. Tudo entre os gritos e com r�plicas do tremor. Parecia estar num filme. As pessoas tornavam-se violentas. Queriam ser ajudadas umas primeiro do que as outras. Fiz o que pude at� � exaust�o. A�, parei e apercebi-me da realidade.
Ambos os edif�cios das Na��es Unidas tinham ca�do, desapareceram. Percebi que tinha perdido ali imensos amigos. Consegui falar com uma amiga que partilha casa comigo. Estava debaixo dos escombros. S� pensava na morte. Tentei ficar junto dela durante as nove horas que esteve ali debaixo. Saiu com esmagamento, em choque. Mas est� viva!
�Procurei fazer o meu luto�
Pela madrugada dentro, fomos todos evacuados para a base log�stica, onde tudo estava mais tranquilo. Todas as pessoas procuravam informa��es e confirmar a sobreviv�ncia dos mais queridos. At� ao dia de hoje n�o sei de alguns. As buscas continuam, mas, como � �bvio, as hip�teses de sobreviv�ncia s�o reduzidas. As r�plicas continuam e temos sempre a sensa��o que o ch�o est� a tremer.
A Mariana Palavra e o Jo�o (pol�cia canadiano), ambos de origem portuguesa, est�o bem! � noite, dormimos como podemos. Dentro de carros, no jardim ou nos escrit�rios. Os tremores n�o nos conseguem embalar. Mantemo-nos por aqui, onde as condi��es m�nimas est�o asseguradas. N�o vamos ser evacuados, quem quiser e tiver passaporte/visa pode ir para Miami. Quem n�o tem pode sair para a Rep. Dominicana. Eu fico c�, sem d�vida!
J� consegui ir a casa e recuperar o b�sico, tanto para mim como para a minha amiga! Estava intacta mas muito, muito desarrumada. Nas ruas, encontramos o caos, a confus�o. Quem pode, est� a dirigir-se para a Rep. Diminicana, pois a maioria da popula��o n�o tem acesso a �gua pot�vel e alimentos. Prev�-se um aumento da criminalidade caso a ajuda humanit�ria seja escassa. O instinto de sobreviv�ncia � conducente a viol�ncia. No entanto, o c�u de PAP [ndr: Port-au-Prince] v� j� muitos avi�es e h�lis.
Foi montado um hospital, onde estive a colaborar. No entanto, reuni j� com o conselheiro do staff e com todos os que est�o formados para a interven��o na emerg�ncia psicol�gica. Neste momento, estamos organizados e a intervir. Tendo eu tamb�m sido v�tima desta situa��o, procurei fazer o meu luto e restabelecer o equil�brio emocional, com sucesso. Agora sim, mudo os objectivos de trabalho que me trouxeram at� aqui, mas garantidamente que n�o deixarei de trabalhar!�
Meu Deus estendei vossas m�os ao povo do Haiti .
Porque lhes dais tanta dor?...