...da net:


"MAURO PEREIRA

(Viagem miseravelmente descompromissada pela letra da can��o �I Dreamed a Dream�, tema do filme �Os Miser�veis�, da obra de Victor Hugo)

Pairam sobre a p�tria brasileira os mais longos dos anos. Pouco menos de doze. Muito mais que uma eternidade. Suas noites sombrias e g�lidas quedam-se intermin�veis e fazem minguar os raios revigorantes e rejuvenescedores do sol nosso de cada dia.

Embevecido por um entusiasmo quase juvenil, acreditei que os ventos da bonan�a soprariam generosas lufadas de progresso. Eu era jovem e destemido, determinado a n�o desperdi�ar sequer o sonho mais imposs�vel. Preparei-me, ent�o, para desfrutar da fragr�ncia inebriante emanada da democracia que se descortinava no horizonte. Dediquei minha mais profunda aspira��o para recepcionar o som m�gico do abrir das asas da liberdade sobre n�s. Nenhuma can��o alvissareira deixei de cantar. Embriaguei-me com o vinho da confian�a. Invadido por uma euforia que, confesso, desconhecia, gritei o grito da esperan�a. Bendito 1985! Viva Tancredo!



H� tempestades que podemos prever, mas n�o temos como evit�-las. Tancredo n�o viveu e o que se viu desde sua morte foi o desfile intermin�vel da incompet�ncia, da inconsequ�ncia, da arrog�ncia, da sordidez e, mais acentuadamente, da corrup��o. Eu sonhei que o meu Brasil seria bem diferente deste inferno a que a sede de poder o remeteu. Tendo toda uma na��o como testemunha, no passado amaldi�oaram os dias que os antecederam. No presente, bendizem a era que os enriquece. Temo pelo futuro que urdem. Desconsolado, s� me resta lamentar a triste realidade t�o distinta daquela que eu sonhei em 1985.

Os dissimulados se fantasiaram de arautos da boa nova e, em meu nome, saudaram o Brasil Novo. Acampados no poder, celebraram o estelionato, romperam com a retid�o e homenagearam os pol�ticos de sempre. Assoberbados, tra�ram a dec�ncia e se amasiaram com a pol�tica velha. Em defesa da hegemonia pol�tica e de privil�gios pessoais, n�o se constrangeram em enlamear suas biografias.

E aqueles que se apresentaram como os donos da virtude e senhores da retid�o mataram de vez o sonho que sonhei. O porvir vision�rio de um Pa�s modernizado, desenvolvido, culto e livre da indecente e eleitoreira cust�dia do estado perdeu-se nos conluios oportunos e nas alian�as oportunistas. Usurpadores da dignidade alheia, manipularam a mis�ria. Covardes, abstiveram-se de redimir os miser�veis. Hoje, moribunda, a esperan�a de um novo Brasil que fez exacerbar minha brasilidade ufana naqueles dias memor�veis definha enclausurada em alguma cela f�tida e desmoralizante do pres�dio da Papuda. P�rfidos e presun�osos, transformaram meus sonhos em vergonha.

Se, 152 anos depois ─ coincidentemente nestes tempos estranhos que criaram nos laborat�rios da mediocridade a met�fora farsesca do socialismo de mercado com a��es na bolsa de valores, aberra��o que deu origem � pat�tica figura do comunista de direita ─, o escritor franc�s Victor Hugo reencarnasse brasileiro, certamente reescreveria seu romance imortal sob outra perspectiva. Sua pena privilegiada haveria de restaurar a justi�a. Seus personagens n�o seriam Jean Valjean, Javert, Cosette, Marius, nem os infames Th�rnardies. Seu enredo n�o teria her�is, teria apenas lulas, dirceus, geno�nos, dilmas, sarneys, collors, renans. Seriam esses os miser�veis!"


�...