Poema em linha reta
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos t�m sido campe�es em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes n�o tenho tido paci�ncia para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido rid�culo, absurdo,
Que tenho enrolado os p�s publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando n�o tenho calado, tenho sido mais rid�culo ainda;
Eu, que tenho sido c�mico �s criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos mo�os de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a ang�stia das pequenas coisas rid�culas,
Eu verifico que n�o tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conhe�o e que fala comigo
Nunca teve um ato rid�culo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi sen�o pr�ncipe - todos eles pr�ncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de algu�m a voz humana
Que confessasse n�o um pecado, mas uma inf�mia;
Que contasse, n�o uma viol�ncia, mas uma cobardia!
N�o, s�o todos o Ideal, se os oi�o e me falam.
Quem h� neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
� pr�ncipes, meus irm�os,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde � que h� gente no mundo?
Ent�o sou s� eu que � vil e err�neo nesta terra?
Poder�o as mulheres n�o os terem amado,
Podem ter sido tra�dos - mas rid�culos nunca!
E eu, que tenho sido rid�culo sem ter sido tra�do,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Fernando Pessoa
Enviado por Patrick em 17/08/2012
Alterado em 25/09/2012