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NOITE M�GICA ENTRE O REAL, O VIRTUAL E O ESPIRITUAL...


"Do mundo virtual ao Espiritual "
- Escrito por Frei Betto -
(06-Jun-2008)


Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mong�lia, do Jap�o e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos em paz em seus mantos cor de a�afr�o. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de S�o Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, j� haviam tomado caf� da manh� em casa, mas como a companhia a�rea oferecia um outro caf�, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: "Qual dos dois modelos produz felicidade?"

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, �s nove da manh�, e perguntei: "N�o foi � aula?" Ela respondeu: "N�o, tenho aula � tarde". Comemorei: "Que bom, ent�o de manh� voc� pode brincar, dormir at� mais tarde". "N�o", retrucou ela, "tenho tanta coisa de manh�..." "Que tanta coisa?", perguntei. "Aulas de ingl�s, de bal�, de pintura, piscina", e come�ou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: "Que pena, a Daniela n�o disse "tenho aula de medita��o"!

Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Por isso, as empresas consideram agora que, mais importante que o QI, � a IE, a Intelig�ncia Emocional. N�o adianta ser um super-executivo se n�o consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os curr�culos escolares inclu�rem aulas de medita��o!
Uma progressista cidade do interior de S�o Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de gin�stica; hoje, tem sessenta academias de gin�stica e tr�s livrarias! N�o tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a despropor��o em rela��o � malha��o do esp�rito. Acho �timo, vamos todos morrer esbeltos: "Como estava o defunto"? "Olha, uma maravilha, n�o tinha uma celulite"! Mas como fica a quest�o da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?


Outrora, falava-se em realidade: an�lise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra � virtualidade. Tudo � virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: n�o se pega Aids, n�o h� envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Bras�lia, um homem pode ter uma amiga �ntima em T�quio, sem nenhuma preocupa��o de conhecer o seu vizinho de pr�dio ou de quadra!

Tudo � virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, n�o h� compromisso com o real! � muito grave esse processo de abstra��o da linguagem, de sentimentos: somos m�sticos virtuais, religiosos virtuais, cidad�os virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos tamb�m eticamente virtuais.

A cultura come�a onde a natureza termina. Cultura � o refinamento do esp�rito. Televis�o, no Brasil - com raras e honrosas exce��es - � um problema: a cada semana que passa temos a sensa��o de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje � 'entretenimento'; domingo, ent�o, � o dia nacional da imbeciliza��o coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai l� e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade n�o consegue vender felicidade, passa a ilus�o de que felicidade � o resultado da soma de prazeres: "Se tomar este refrigerante, vestir este t�nis, usar esta camisa, comprar este carro, voc� chega l�!" O problema � que, em geral, n�o se chega! Quem cede, desenvolve de tal maneira o desejo que acaba precisando de um analista. Ou de rem�dios. Quem resiste, aumenta a neurose.

Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Coloc�-los aonde? Eu, que n�o sou da �rea, posso me dar o direito de apresentar uma sugest�o. Acho que s� h� uma sa�da: virar o desejo para dentro. Porque para fora ele n�o tem aonde ir! O grande desafio � virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, come�ar a ver o quanto � bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Ali�s, para uma boa sa�de mental tr�s requisitos s�o indispens�veis: amizades, auto-estima, aus�ncia de estresse.

H� uma l�gica religiosa no consumismo p�s-moderno. Se algu�m vai � Europa e visita uma pequena cidade onde h� uma catedral, deve procurar saber a hist�ria daquela cidade - a catedral � o sinal de que ela tem hist�ria. Na Idade M�dia, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constr�i-se um shopping center. � curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitet�nicas de catedrais estilizadas; neles n�o se pode ir de qualquer maneira, � preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensa��o paradis�aca: n�o h� mendigos, crian�as de rua, sujeira pelas cal�adas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano p�s-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os v�rios nichos, todas aquelas capelas com os vener�veis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar � vista, sente-se no reino dos c�us. Se deve passar cheque pr�-datado, pagar a cr�dito, entrar no cheque especial, sente-se no purgat�rio. Mas se n�o pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia p�s-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hamb�rguer do McDonald's�

Costumo advertir os balconistas que me cercam � porta das lojas: "Estou apenas fazendo um passeio socr�tico." Diante de seus olhares espantados, explico: "S�crates, fil�sofo grego, tamb�m gostava de descansar a cabe�a percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como voc�s o assediavam, ele respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que n�o preciso para ser feliz".


((Frei Betto � escritor, autor, em parceria com Luis Fernando Ver�ssimo e outros, de "O desafio �tico" (Garamond), entre outros livros."))

-_- Texto passado-me por uma amiga internauta
(que n�o tem flogs) Martha Angela Dias _-_


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