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A primeira lembran�a que tenho de Michael Jackson � t�pica de quem foi criado pela televis�o dos anos 70. Ele e os irm�os, coloridos, animados numa tela Philco de 20 polegadas, sem controle remoto, vivendo aventuras mil. Um pouco mais tarde percebi que aqueles sujeitos eram pessoas reais, um grupo chamado Jackson 5 e que cantavam de verdade aquelas can��es legais do desenho animado que fazia a minha felicidade.

Michael Jackson, o cantor principal, era um pirralho de uns dez anos de idade, liderando irm�os do mesmo tamanho e muito maiores que ele, numa mistura sonora irresist�vel de soul, funk e pop. O som do J5 era uma das �ltimas coqueluches musicais que a Motown - gravadora que deu ao mundo Stevie Wonder, Marvin Gaye, Supremes, Temptations, entre tantos outros - entregava ao mundo. Aquele grupo de adolescentes negros, todos de Gary, Indiana, cantando e dan�ando na televis�o m�sicas absolutamente irresist�veis como "I Want You Back", "ABC", "I Wanna Be Where You Are", "Never Can Say Goodbye" e tantas outras.

Enquanto eu crescia, as not�cias sobre aquele pequeno cantor negro iam e vinham. O grupo mudara de nome para The Jacksons, o meio da d�cada de 1970 trazia outras ondas sonoras, inserindo quase todo mundo na disco music, processo que tamb�m afetou os Jacksons. Seus discos Triumph e Destiny s�o belos exemplos do que eles poderiam fazer nesse terreno negro, quase totalmente habitados por brancos que faziam m�sica negra. Mas Michael Jackson ainda permanecia distante disso. Gravando um punhado de discos solo para a Motown entre 1972 e 1975, ele abria espa�o para uma persona distinta entre os irm�os. Ainda que o carisma do moleque naturalmente o afastasse de qualquer compara��o, seus primeiros quatro trabalhos solo apontam o caminho para a capacidade que Jackson tinha de se reinventar e permanecer ativo. Quem tem seus trinta anos vai se lembrar de m�sicas como "Ben", "Got To Be There", "Music And Me" e "I"ll Be There". S�o baladas, nenhuma escrita por Michael, mas grava��es colossais dentro da pop music setentista.



O caminho para o megaestrelato viria com o lan�amento de Off The Wall, em 1979, produzido pelo mestre Quincy Jones. Esse disco pavimentaria a estrada que levaria o jovem cantor para Thriller, quatro anos depois. Em Off The Wall, Jackson aparece belo, triunfante, cantando como nunca, emprestando voz e ginga para can��es como "Rock With You" ou "Don"t Stop Til Get Enough", verdadeiros monstros sagrados dos assoalhos mundiais. A produ��o de Quincy Jones atualizou ao mesmo tempo a disco music, o funk e o r&b, criando uma liga sonora que influenciaria todos os artistas negros que viriam depois. Michael, dan�ando como um extraterreste nos clipes (um terreno que ele dominaria como ningu�m) era a imagem do sucesso irrevers�vel. Longe do petiz de dez anos de antanho, ele ainda era um jovem resplandescente nas televis�es do mundo.



Em Thriller, Jackson chegou onde nenhum homem jamais esteve. Vendeu mais de 100 milh�es de c�pias, lan�ou - e foi lan�ado - pela MTV, colocou em pr�tica a estrat�gia do clipe como ve�culo de divulga��o e massifica��o da m�sica junto ao p�blico, ofereceu dan�as novas, figurinos novos e afirmou-se como um aben�oado compositor de can��es irresist�veis. No ano de lan�amento do disco - 1983 - Jackson aparecia num outro �lbum de outro mega-popstar. Paul McCartney dava espa�o para ele em seu Pipes Of Peace, mais precisamente em dois duetos: "The Man" e "Say, Say, Say", sendo que essa �ltima inundou as paradas de clipes ao redor do mundo, ao mostrar Michael ao lado do casal McCartney. Paul participaria de uma faixa em Thriller, a simpatic�ssima "The Girl Is Mine". O disco trazia uma fotografia bem n�tida da Am�rica negra do in�cio dos anos 1980, mas ignorava a nascente cena hip-hop, talvez repetindo a estrat�gia Motown de limar os excessos de "negritude" de seus astros. Isso n�o seria nada demais, se Michael j� n�o mostrasse uma grande mudan�a em seu visual. Seu rosto j� n�o era o do jovem dan�arino de Off The Wall, mas de um sujeito de fei��es finas e delicadas. A m�sica, no entanto, distraiu as pessoas. Hits como "Thriller", "Beat It", "Billie Jean" e "Human Nature" podem se inserir na grande galeria do pop perfeito. A produ��o, novamente a cargo de Quincy Jones, lapidava a sonoridade para a fronteira entre a pop music branca e o r&b negro, numa mistura ainda mais eficiente que a de Off The Wall.



Entre 1984 e 1985, Jackson participaria do projeto humanit�rio USA For Africa, na concep��o do disco beneficente para as v�timas da fome na Eti�pia. Surgia a maior reuni�o de artistas de todos os tempos, maior at� que o brit�nico Band-Aid, criado meses antes, com a mesma fun��o. O disco e a can��o "We Are The World" foram para o topo das paradas mundiais com rapidez assustadora. A m�sica, de autoria de Michael e Lionel Richie, fez um sucesso t�o avassalador que eclipsou o resto do �lbum e a imagem de todos os artistas do projeto nas grava��es do disco � uma das mais marcantes da hist�ria da m�sica pop. Presen�as de monstros como Ray Charles e Bob Dylan, ao lado de Bruce Springsteen, Stevie Wonder, Diana Ross, entre outros, davam a seriedade que o projeto necessitava. Michael, todo de preto, com uma luva prateada na m�o direita, era a imagem do USA For Africa.



Jackson correu o mundo, invadiu as casas, os quartos, as mentes de todo mundo que era jovem entre 1979 e 1987. Neste ano ele soltaria Bad, seu novo trabalho com can��es in�ditas. No clipe, dirigido por Martin Scorsese, Jackson aparece liderando uma gangue de b-boys, ou algo assim. Mas, novamente, a imagem dele dep�e contra tudo o que ele canta e insinua. A pele quase branca, as fei��es ainda mais finas, tudo isso era muito distante de qualquer jovem - branco ou negro - clamando pra si aquele tipo de maldade, fundida com malandragem de rua, t�pica dos guetos. Ali�s, Jackson novamente se afastava da m�sica negra tradicional, num trabalho cada vez mais pr�ximo do pop branco emulador de m�sica negra, algo que ele, anos antes, ajudou a criar. As can��es de Bad eram as piores que Michael compusera at� ent�o. Mesmo os hits do disco, "The Way You Make Me Feel", "I Just Can"t Stop Lovin" You" ou a faixa-t�tulo, ficaram pouco tempo nas paradas de sucesso mundiais. Ao lado deles, a melhor m�sica do disco, "Man In The Mirror", embalada por um bel�ssimo clipe, formado por imagens que pediam paz e reflex�o em n�veis pessoal e coletivo, sobre o mundo e as pessoas. A letra trazia uma interessante proposta, principalmente para uma pessoa como Michael Jackson, ao dizer que a mudan�a deveria ser iniciada pelo homem que se v� no espelho.



A partir de Bad, Michael iniciaria uma gradativa decad�ncia. Os motivos s�o muitos e v�o desde uma personalidade estranha, confusa, cheia de medos e temores desde a inf�ncia, passando por manias adquiridas por conta das cirurgias pl�sticas, chegando ao cl�ssico dilema do homem diante da mega-fortuna advinda de uma mega-exposi��o na m�dia. Poucos suportariam tal press�o e com MJ a coisa n�o foi diferente. O lan�amento de Dangerous, em 1991, mostra bem essa condi��o afetando a obra do artista. Se o disco trazia toda a tecnologia e colabora��es musicais que o dinheiro podia comprar, os clipes mostravam cen�rios coloridos e t�cnicas inovadoras, como os rostos mutantes de "Black Or White" (uma cr�tica de MJ � persegui��o da m�dia fofoqueira sobre as mudan�as da cor de sua pele) ou nas par


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