Era uma vez uma menina que tinha
como seu melhor amigo um p�ssaro encantado.
Ele era encantado por duas raz�es.
Primeiro, porque ele n�o vivia em gaiolas,
vivia solto, vinha quando queria.
Vinha porque a amava.
Segundo, porque sempre que voltava suas penas
tinham cores diferentes,
as cores dos lugares por onde tinha voado.
Certa vez voltou com penas imaculadamente brancas,
e ele contou est�rias de montanhas cobertas de neve.



Outra vez suas penas estavam vermelhas,
e ele contou est�rias de desertos
incendiados pelo sol.
Era grande a felicidade quando eles estavam juntos.
Mas sempre chegava o momento quando o p�ssaro dizia:
"Tenho de partir."
A menina chorava e implorava:
"Por favor, n�o v�. Fico t�o triste.
Terei saudades. E vou chorar..."
"Eu tamb�m terei saudades", dizia o p�ssaro,
"Eu tamb�m vou chorar".

Mas vou lhe contar um segredo!
Eu s� sou encantado por causa da saudade.
� a tristeza da saudade que faz com que minhas
penas fiquem bonitas.
Se eu n�o for, n�o haver� saudade.
E eu deixarei de ser o p�ssaro encantado.
E Voc� ... deixar� de me amar." E partiu...
A menina, sozinha, chorava.
E foi numa noite de saudade que ela teve uma id�ia:
"Se o p�ssaro n�o puder partir, ele ficar�.
Se ele ficar, seremos felizes para sempre.

E para ele n�o partir
basta que eu o prenda numa gaiola."
Assim aconteceu:
a menina comprou uma gaiola de prata, a mais linda.
Quando o p�ssaro voltou eles se abra�aram,
ele contou est�rias e adormeceu.
A menina, aproveitando-se do seu sono, o engaiolou.
Quando o p�ssaro acordou, deu um grito de dor.
"Ah! menina, o que voc� fez?
Quebrou-se o encanto.
Minhas penas ficar�o feias
e eu me esquecerei das est�rias.

Sem a saudade o amor ir� embora..."
A menina n�o acreditou.
Pensou que ele acabaria por acostumar.
Mas n�o foi isso que aconteceu.
Ca�ram as plumas e o penacho.
Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas
transformaram-se em um cinzento triste.
E veio o sil�ncio.
Deixou de cantar.
Tamb�m a menina se entristeceu.
N�o era aquele o p�ssaro que ela amava.




E de noite chorava, pensando
naquilo que havia feito ao seu p�ssaro...
At� que n�o mais ag�entou.
Abriu a porta da gaiola.
"Pode ir, p�ssaro", ela disse:
"Volte quando voc� quiser..."
"Obrigado, menina", disse o p�ssaro,
Irei e voltarei quando ficar encantado de novo.
E voc� sabe: Ficarei encantado de novo
quando a saudade
voltar dentro de mim... e dentro de voc�...


Quantas vezes, em algum determinado momento,
aprisionamos a quem amamos,
pensando que estamos fazendo o melhor?
Muitas vezes
deixar livre � uma forma singela de ver voltar...


"... Se voltar � porque sempre foi seu...
se n�o voltar,
� porque nunca foi"



(Rubem Alves em "A menina e o p�ssaro encantado",
edi��es Loyola - Colabora��o da Krika)