Castro Alves
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Exorta��o
DONZELA BELA, que me inspira � lira.
Um canto santo de fervente amor,
Ao bardo o cardo da tremenda senda
Estanca, arranca-lhe a terr�vel dor.
O triste existe qual a pedra medra,
Rosa saudosa do gentil jardim,
Qual monge ao longe j� no claustro exausto
Qual ampla campa a proteger-lhe o fim.
O triste existe em sofrimento lento,
Vive, revive p"ra morrer depois...
Morre � assim corre a atribulada estrada
Da vida qu"rida, solu�ando a s�s.
Fada encantada, em teu rega�o lasso,
Viajante errante, deixa-me pousar;
L�rio ou mart�rio, abre teu seio a meio,
Estrela bela, vem-me enfim guiar.
Ao mundo imundo, n�o entrega, nega
Tantos encantos dos amores teus,
Compreende, entende-te a vertigem, virgem,
Somente a mente do poeta e Deus.
D"esta alma a palma de risonhos sonhos,
Da mente ardente a inspira��o do c�u
O vate abate �s tuas plantas santas,
Altivo e vivo, sendo escravo teu.
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A CANTIGA DO SERTANEJO
Love me, and leave me not.
SHAKESPEARE, Merch. Of Venice
Donzela! Se tu quiseras
Ser a flor das primaveras
Que tenho no cora��o:
E se ouviras o desejo
Do amoroso sertanejo
Que descora de paix�o!...
Se tu viesses comigo
Das serras ao desabrigo
Aprender o que � amar...
- Ouvi-lo no frio vento,
Das aves no sentimento,
Nas �guas e no luar!...
Ouvi-lo nessa viola,
Onde a modinha espanhola
Sabe carpir e gemer!...
Que pelas horas perdidas
Tem cantigas doloridas,
Muito amor, muito doer...
Pobre amor! o sertanejo
Tem apenas seu desejo
E as noites belas do val!...
S� o ponche adamascado,
O trabuco prateado
E o ferro de seu punhal!...
E tem as lendas antigas
E as desmaiadas cantigas
Que fazem de amor gemer!...
E nas noites indolentes
Bebe c�nticos ardentes
Que fazem estremecer!...
Tem mais... na selva sombria
Das florestas a harmonia,
Onde passa a voz de Deus,
E nos relentos da serra
Pernoita na sua terra,
No leito dos sonhos seus!
Se tu viesses, donzela,
Verias que a vida � bela
No deserto do sert�o:
L� t�m mais aroma as flores
E mais amor os amores
Que falam do cora��o!
Se viesses inocente
Adormecer docemente
� noite no peito meu!...
E se quisesses comigo
Vir sonhar no desabrigo
Com os anjinhos do c�u!
� doce na minha terra
Andar, cismando, na serra
Cheia de aroma e de luz,
Sentindo todas as flores,
Bebendo amor nos amores
Das borboletas azuis!
Os veados da campina
Na lagoa, entre a neblina,
S�o t�o lindos a beber!...
Da torrente nas coroas
Ao deslizar das canoas
� t�o doce adormecer!...
Ah! Se viesses, donzela,
Verias que a vida � bela
No sil�ncio do sert�o!
Ah!... morena, se quiseras
Ser a flor das primaveras
Que tenho no cora��o!
Junto �s �guas da torrente
Sonharias indolente
Como num seio d"irm�!...
- Sobre o leito de verduras
O beijo das criaturas
Suspira com mais af�!
E da noitinha as aragens
Bebem nas flores selvagens
Efluviosa fresquid�o!...
Os olhos t�m mais ternura
E os ais da formosura
Se embebem no cora��o!...
E na caverna sombria
Tem um ai mais harmonia
E mais fogo o suspirar!...
Mais fervoroso o desejo
Vai sobre os l�bios num beijo
Enlouquecer, desmaiar!...
E da noite nas ternuras
A paix�o tem mais venturas
E fala com mais ardor!...
E os perfumes, o luar,
E as aves a suspirar,
Tudo canta e diz - amor!
Ah! vem! amemos! vivamos!
O enlevo do amor bebamos
Nos perfumes do ser�o!
Ah! Virgem, se tu quiseras
Ser a flor das primaveras
Que tenho no cora��o!...
Alvares de Azevedo -
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AMOR, CORA��O, LIRA DOS VINTE ANOS