E aquele carinho que eu te dei?
Trai��o sempre foi e sempre ser� um assunto sobre o qual pouco se deseja falar com franqueza. At� porque franqueza, neste caso em especial, requer uma exposi��o al�m do comum; e por mais que j� sejamos e nos tornemos cada dia mais p�blicos, este assunto ainda n�o parece merecer muita propaganda.
O tra�do � um coitadinho envergonhado e o traidor um pecador que merece a pena m�xima.
Nem um, nem outro.
Temos o v�cio de ver o que queremos, quando queremos e se quisermos.
Se a gente olhar diante de um espelho, com a luz apagada e sem testemunhas, saber� que, de alguma maneira, o que era doce n�o se acabou, simplesmente porque nem t�o doce assim era. Mas chamar a si mesmo � realidade d� trabalho, requer f�lego pra recome�ar; e recome�ar d� pregui�a.
Ficamos uns diante dos outros cobrando aten��o e fidelidade como se fossem notas promiss�rias. Quase implorando para n�o ser trocada, substitu�da, exatamente como se estiv�ssemos numa partida de futebol em que temos apenas que golear e jamais levar gol.
A trai��o ensina. Ela permite. Ela j� estava ali dando seus sinais. Voc� n�o quis ver, eu n�o quis ver, ok, problema nosso, mas n�o estamos disputando o trof�u coitadinho do m�s.
Se a rela��o for suficientemente franca haver� um enorme amadurecimento a partir de um acontecimento devastador como este.
Al�m desse benef�cio acho que emagrecer � uma d�diva e, nestes momentos, dar uma sofrida faz a gente ficar leve, pelo menos na balan�a.
Seja como for, com toda dor, que n�o haja clamor, do tipo: e aquele carinho que eu te dei?
Deu est� dado e n�o se fala mais nisso.
Confian�a, neste momento, � confundida com �tica. Seja �tico com quem te traiu, n�o espanque sua autoestima.
Olho no olho e a pergunta que n�o quer calar �: o que fazer a partir do que est� feito?
Aquele carinho que voc� deu foi lindo, nem era doce, nem acabou; apenas precisa ser ressignificado.
Sem drama. O sofrimento invoca o m�nimo de dec�ncia �ntima.
Chorar at� desaguar a alma. Falar at� n�o ter mais saliva. Vitimizar-se, n�o, por favor.
E aquele carinho que eu te dei � pergunta que n�o se faz. N�o quando se tem carinho por si mesmo.
|Cl�udia Dornelles