Um dia voc� deixou escapar que sentia vergonha por nunca ter lido um cl�ssico. Eu fiquei vermelho, confesso!, mas admiti que n�o dava tanta import�ncia aos livros importantes. Ach�vamos chato qualquer livro com mais de 256 p�ginas e 12 personagens, lembra? Guerra e Paz ainda espera nossos olhos. Se depender da nossa vontade, Moscou morrer� de frio. E, com todo respeito, que se foda Napole�o. Dom Quixote ainda tenta chamar a nossa aten��o com aqueles moinhos gigantes. Sancho tem um nome fofo. Meu cachorro teria esse nome. Se fosse um bulldog, claro!. E, pra mim, Cervantes ser� sempre um restaurante em Copacabana n�o um livro de bacana! E voc� ri. E eu tamb�m! E a gente se beija. Ah, e eu n�o me esque�o daquele sil�ncio hom�rico quando confessei que n�o li Il�ada e n�o entendi porra nenhuma da Odiss�ia. Prefiro mil vezes o Stanley mandando gregos e troianos fantasiados de macaco pro espa�o. Desculpa os palavr�es. Se eu me envergonho? Um pouco, confesso. Mas eu li o poema que voc� escreveu pra mim quando nem sonh�vamos em sonhar em estar juntos um dia � Se � que j� estivemos juntos um dia. E aqueles versos bobos talvez sejam a coisa mais linda que li at� hoje. Neruda que me perdoe. Quintana que me desculpe. Drummond que n�o me julgue. Aquele seu poema � o �nico cl�ssico que tem espa�o cativo e afetivo na minha estante: Entre a Liberdade, de Franzen, e o Eu Hei-de Amar uma Pedra, de Lobo Antunes. E � lido todos os dias desde o dia que n�o nos vimos mais. Quando leio: �Amado, Ant�nio, o mundo � t�o est�pido que as pessoas precisam amar.� Eu tremo. Quando releio �Ant�nio, amado, o mundo � t�o est�pido que eu n�o posso te amar�. Eu choro. E essa fala ainda reverbera nitidamente feito berro silencioso nos meus t�mpanos de menino. Eu ou�o a sua voz declamar cada verso, como se fosse rasgar minha mem�ria. E rasga. Um dia voc� deixou escapar que sentia vergonha por nunca ter lido um cl�ssico. Eu tenho vergonha dos que nunca leram um poema seu.
- Eu me chamo Ant�nio.