Costuma-se pensar que quem escreve muito � facilmente decifrado. Acredita-se que a vida est� inteiramente exposta nos rascunhos e que basta uma leitura r�pida para conhecer parte por parte do autor. Digo o contr�rio. Podem revirar minhas linhas, que n�o encontrar�o nada muito satisfat�rio. Estou presente em todas, � claro. Ainda mais quando se escreve mais de cora��o do que de mente. Ou quando se derrama em cada frase quase t�o abertamente. Mas, ou�a, h� muito mais no que eu n�o digo. Repara, minhas entrelinhas s�o bem mais extensas que qualquer trecho meu j� publicado. Escrever pede cuidado, n�o se pode jogar-se num ventilador assim t�o f�cil, porque logo a gente se perde entre as palavras e nunca mais consegue se achar. E todo mundo pode nos conhecer t�o rapidamente como se conhece o gosto de um doce. N�o importa o quanto eu me permita transparecer, sou muito mais do que descrevo. Mesmo nos mais introspectivos trechos, eu me escondo, oculto fatos, diminuo o tamanho da dor, a extens�o da felicidade. N�o preciso gritar do que gosto para que continue gostando. N�o necessito mostrar o qu�o profunda sou para que continue sendo. Eu sou! independente do que eu diga. Quem me l�, pode me entender, pode identificar-se, saber um pouco sobre mim, mas nunca viver� na minha pele para conhecer-me realmente. Quem escreve pode dizer muito, mas pouco explica. O real, o sentimento verdade que gerou certa explos�o de palavras, s� � conhecido por dentro daquele que sentiu. O fato, que ap�s traduzido em s�labas, ganha centenas de significados entre os quais pode, sim, haver semelhan�a com a realidade, mas quem � que sabe? Quem � que entende? Quem o viveu. Sou isso o que podem ver, mas tamb�m sou muito al�m. Me oculto nas entrelinhas mais do que me permito aparecer nos par�grafos. N�o preciso transparecer para ser. Isso n�o � sobre quem diz mais, � sobre quem fecha o caderno de anota��es e sai para viver cada letra escrita.