Pois é, a vida nos obriga a criar certas carcaças. É um mecanismo natural de autodefesa; uma advertência inata do corpo para que ele não se torne uma ausência. Alguns seres criam estratégias de fuga, outros se escondem inertes. O organismo não difere o medo humano da coragem animal. Acuado, ele só pensa em escapar das garras de uma águia faminta ou encontrar um jeito heroico de confundir outro predador ainda mais letal.

Nosso destino?

Sabe quando um camaleão altera sua cor para se camuflar no ambiente em que vive? Então, é um pouco assim com as pessoas que sofrem grandes perdas. Elas tentam se diluir nas paredes, nos lençóis, nas estampas, nos cômodos, nas cadeiras, nos quadros, nas almofadas, nos panos. Elas querem atingir a coloração do piso, da poltrona, da xícara de café, do bolo de laranja, do seu livro preferido. Eu queria ter o tom das palavras de Vermelho Amargo, do Bartolomeu Campos de Queirós.

Você vestiria as cores de qual romance?

Quem suporta fortes traumas pensa que vai conseguir se esconder na rotina dos gestos ou na cortina ilusória dos objetos que está acostumado a consumir. Impossível. Sumir é uma fraqueza do hábito. É uma tentativa desesperada de se agarrar a qualquer esperança. É um esforço quase inútil: As garras do futuro sabem muito bem onde farejar suas presas.

Às vezes, não dá para fugir porque o predador (também) anseia sobreviver. A amargura passa a ser então a única armadura capaz de evitar um ataque surpresa. Tem hora que não é mais possível se dissolver na vista do algoz; quem caça também precisa lutar por sua vida. O amargor se torna, portanto, a última camada de proteção antes do corpo conseguir perdoar o autor do seu declínio.

O tal destino?