Orelhão {...}
Houve um tempo que conversar custava caro, talvez por isso a gente dava tanto valor, os minutos eram contados e quase sempre a ligação caía antes de falar tchau. Tinha gente que já dizia, eu te amo logo na primeira ficha, para não correr o risco de perder a resposta do outro lado. Depois vieram os cartões, os de cem unidades era ostentação, artigo de luxo, mas também não durava nada, porque era muita conversa acumulada, a gente nunca conseguia falar tudo, e batia uma puta tristeza quando você ouvia: "Está acabando os meus créditos." Tinha gente que mandava cartão telefônico junto com carta de amor, a voz era um presente e escutar era um privilégio. A chuva chegava no meio da conversa, prejudicava a ligação, e molhava tudo do joelho pra baixo, a voz ficava muito baixa e você precisava gritar. Eu já ouvi muita conversa dos outros sem querer: Aqui está fazendo frio, fala pra Mãe que está tudo bem, Natal eu estou por aí, as coisas estão ajeitando devagarzinho, eu não liguei antes porque eu estava sem dinheiro, Fim de ano eu chego aí, também te amo, também estou com saudade, não vou desligar deixa acabar o crédito. Uma cápsula de fibra arredondada com cores fluorescentes, um pequeno portal pra enfrentar a saudade. A gente queria bater na molecada que estourava o fio, andava quilômetros para encontrar um telefone funcionando, e ainda assim não achava, voltava pra casa com a sensação do fracasso, a frustração de ter créditos, mas não ter o portal. Dormir pensando na voz, em tudo aquilo que tinha ensaiado para dizer e que muitas vezes, mesmo ensaiando, a voz não passava pelo nó na garganta, porque conversar é um privilégio. A gente daria muita coisa pra ter mais uma ficha, mais dinheiro, mais cinco segundos, quando a ligação caía antes de ouvir: Também te amo!

Tempo Feio