"Somos cristãos contra o aborto porque nos importamos com as crianças".
No entanto, desde 1500, a pedagogia cristã dos padres foi a do castigo e tortura: “as penalidades variavam conforme a gravidade da culpa, usando-se o açoite, o tronco e até mutilações, cuja execução devia ser pública e exemplar”. Mary del Priore reforça que “o amor de pai devia inspirar-se naquele divino no qual Deus ensinava que amar “é castigar e dar trabalhos nesta vida”. Vícios e pecados, mesmo cometidos por pequeninos, deviam ser combatidos com ‘açoites e castigos’”.
Essas violências jesuíticas “faziam parte de um processo civilizador”, pois os cuidados indígenas às crianças eram vistos como retrógrados e atrasados. Os padres objetivavam que as crianças indígenas “não só abandonassem os costumes indígenas, mas passassem também a abominá-los” (Chaves, 2000).
Nas cartas, as jesuíticas reprovavam o que chamavam de “amor excessivo” que indígenas tinham com as crianças. Seu espanto diante da ausência de castigo dos pais é registrado em inúmeros documentos.
Para eles, o amor às crianças deveria ser sinônimo de castigo e conversão.
Criança só é bem vinda ali como fruto futuro, em que aquilo que supostamente virá é visto como algo necessariamente melhor do que aquilo que já existe, ou seja, um projeto de existência já valeria mais do que uma existência real de quem gesta, a Criança seria parte da premissa de progresso, evolução, desenvolvimento. A própria maternidade seria uma “evolução” para as mulheres.
Não é que realmente se importem com as crianças, ali elas são meros projetos civilizatórios, uma esperança de um mundo ainda mais cis hétero cristão.
Idealizar assim as crianças não é algo universal, natural e a-histórico, é fruto de uma relação específica com o tempo
Afinal, sem rebaixar essa vida em relação à vida futura, a promessa de ida ao céu nem faria sentido
Pessoas que gestam não são apenas veículos do futuro ideal de conservadores, são pessoas.
Esses que dizem se importar com as crianças, na verdade só amam o que elas poderiam ser. Nós, que lutamos pelo direito à autonomia, somos quem sempre cuidamos e amamos as crianças.
Geni Núñez