Nos últimos anos eu tenho percebido com mais evidência, o quanto a nossa criação interfere nas nossas relações. A minha mãe desde criança teve que trabalhar para ajudar os meus avós e assim que foi crescendo, se manteve trabalhando para comprar as coisas que ela gostaria de ter, que era o básico: Sapatos, vestimentas, pois os pais não tinham condição de dar isso a ela e mais 4 irmãs, já passavam muita dificuldade para comer, por serem uma família grande, minha mãe foi terminar o ensino médio eu já era crescida. Mas esse relato não é sobre bens materiais, mas quero deixar claro que a minha família apesar de muito simples, era trabalhadora, e ainda é!
Acredito que rigidez acaba se tornando uma herança. Minha mãe disse que raramente recebeu afeto ou amor do pai, e que quando ele morreu, não sentiu falta, não fez diferença ele estar vivo ou não, e eu acredito que isso tem um peso grande na vida de alguém. Eu sei que muitas dos nossos pais passaram pela mesma situação da minha mãe, e acredito que os meus avós também com os pais deles, é um ciclo vicioso entre as gerações. Não lhes foi dado atenção, carinho, tempo, acolhimento, dentre tantas outras coisas. Acredito que além da criação rígida, carregamos também a culpa sobre muitas questões, principalmente pra quem é mulher e vive nesse sistema do patriarcado.
Os meus pais não eram pessoas tão carinhosas, eles tinham dificuldade e ainda têm em demonstrar afeto, amor, cuidado, zelo, acolhimento, pedir desculpas ou perdão, toques físicos como abraçar, beijar, fazer carinho, cafuné. Isso porque eles também não foram tratados da mesma forma, para eles o amor, boa parte da vida era a comida que os pais conseguiam comprar para lhes matar a fome. O coração não é uma caixa que pode ser preenchida. Quanto mais você ama, mais ele se expande e cresce, através das muitas formas de demonstrações.
As não demonstrações de afeto, amor e cuidado dos meus pais, para comigo, me afetaram, independente se eram relações amorosas, familiares ou de amizades. Romper esse ciclo de rigidez herdado pelos meus pais, foi algo libertador, tirar as amarras, mostrar a minha vulnerabilidade para quem realmente é importante e tem significado na minha vida. Até alguns anos atrás eu não conseguia pedir perdão, me desculpar ou dizer o quanto eu amo alguém. O toque físico, não é mais um tabu como antes, e poder demonstrar sentimentos de todas as formas é algo que mudou bastante a minha perspectiva nas relações. Sei que muitas pessoas passam por essa mesma questão, e não falam sobre isso, não buscam ajuda profissional, e acreditem, é fundamental buscar meios de romper essa barreira. É necessário se rebelar contra essa herança de rigidez, abraçar os seus pais e dizer o quando os ama sem medo ou vergonha por isso, pedir perdão olhando nos olhos de alguém, assumir que você falha e erra, até mesmo com quem ama! A gente não é fraco por fazer terapia, por quebrar as correntes, mas acho que ter consciência de que precisamos sim de ajuda, é o maior passo que podemos dar, para sermos pessoas melhores, a evolução, o crescimento é o nosso maior traço de humanidade. Que mudemos não só por nós mesmos, mas também pelos nossos pais, avós, bisavós que viveram em outras épocas, e que não tiveram a oportunidade e as ferramentas que temos hoje. Que a nossa força seja tão grande quanto o tamanho do nosso afeto, seja por si mesmo ou pelo outro. Que a comunicação seja frequente, independente se for sobre as dores que carrega. Que a gente não aceite continuar na mesmice através dos hábitos e comportamentos herdados, as ações, demonstrações e atitudes transformam, para nos tornarmos criaturas únicas e cheias de coragem no mundo. A maior mudança acontece dentro da gente, muitas vezes lenta, mas de forma extraordinária e grandiosa.

— .(Escrito dia 24/01/2025, ás 15:13).