"Come�o a conhecer-me. N�o existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
ou metade desse intervalo, porque tamb�m h� vida..."
Fernando Pessoa
Por me faltares
"� Amo como o amor ama.
N�o sei raz�o pra amar-te mais que amar-te.
Que queres que te diga mais que te amo,
Se o que quero dizer-te � que te amo?
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Quando te falo, d�i-me que respondas
Ao que te digo e n�o ao meu amor.
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Ah! n�o perguntes nada; antes me fala
De tal maneira, que, se eu fora surdo,
Te ouvisse todo com o cora��o.
Se te vejo n�o sei quem sou: eu amo.
Se me faltas [...] ...
Mas tu fazes, amor, por me faltares
Mesmo estando comigo, pois perguntas �
Quando � amar que deves. Se n�o amas,
Mostra-te indiferente, ou n�o me queiras,
Mas tu �s como nunca ningu�m foi,
Pois procuras o amor pra n�o amar,
E, se me buscas, � como se eu s� fosse
Algu�m pra te falar de quem tu amas. (...)
.....................................................................
Quando eu era pequeno, sinto que eu
Amava-te j� longe, mas de longe...
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Amor, diz qualquer cousa que eu te sinta!
� Compreendo-te tanto que n�o sinto,
Oh cora��o exterior ao meu!
Fatalidade, filha do destino
E das leis que h� no fundo deste mundo!
Que �s tu a mim que eu compreenda ao ponto
De o sentir...?"
Fernando Pessoa in 'Primeiro Fausto'
Meu estremecimento
"S�s,
irremediavelmente s�s,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por n�s
e ningu�m nos conhece.
Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem
Nesta envolvente solid�o compacta,
quer se grite ou n�o se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nenhum ser n�s se transmite.
Quem sente o meu sentimento
sou eu s�, e mais ningu�m.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu s�, e mais ningu�m.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu s�, e mais ningu�m.
D�o-se os l�bios, d�o-se os bra�os
d�o-se os olhos, d�o-se os dedos,
bocetas de mil segredos
d�o-se em pasmados compassos;
d�o-se as noites, e d�o-se os dias,
d�o-se aflitivas esmolas,
abrem-se e d�o-se as corolas
breves das carnes macias;
d�o-se os nervos, d�-se a vida,
d�-se o sangue gota a gota,
como uma bra�ada rota
d�-se tudo e nada fica.
Mas este �ntimo secreto
que no sil�ncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
� nosso de mais ningu�m."
Ant�nio Gede�o, in 'Poesia Completa'