A vida j� � bastante penosa para que ainda a agravemos com proibi��es e obst�culos aos seus deleites; t�o arisca se mostra a felicidade que todas as portas por onde ela queira entrar devem permanecer escancaradas. A carne enfraquece muito precocemente - e os olhos olham com melancolia para os prazeres de outrora. Muito rapidamente todas as alegrias perdem a vivacidade - e admiramo-nos de como pudessem ter-nos interessado tanto. O pr�prio amor torna-se grotesco logo que atinge os seus fins. Guardemos o ascetismo para a esta��o pr�pria - a velhice.� este o grande drama do prazer; todas as coisas agrad�veis acabam por amargar; todas as flores murcham quando as colhemos, e o amor morre tanto mais depressa quanto � mais retribu�do. Por isso o passado parece-nos sempre melhor que o presente; esquecemos os espinhos das rosas colhidas; saltamos por cima dos insultos e inj�rias e demoramo-nos sobre as vit�rias. O presente parece muito mesquinho diante de um passado do qual s� retemos na mem�ria o bom, e diante de um futuro que ainda � sonho. O que alcan�amos nunca nos contenta; �olhamos para diante e para tr�s em procura do que n�o est� ali�; n�o somos bastante s�bios para amar o presente do mesmo modo que o amaremos quando se tornar passado. Quando mergulhamos num prazer, o nosso olhar vai para longe - a felicidade ainda n�o est� alcan�ada apesar de termos o deleite nos nossos bra�os. Que mau dem�nio nos afei�oou assim?
Nunca me esque�o daqueles que se cruzam comigo. Uns deixam um sorriso no meu rosto e, sempre que os recordo, um sentimento aquece o meu cora��o e reconforta a minha alma. Sinto saudades. Lembro-me que me trataram bem.Outros, pelo contr�rio, entristecem o meu ser s� de saber que um dia se cruzaram comigo. Deixam um aperto no peito e um l�grima nos olhos ao recordar um ou outro epis�dio de sofrimento. No entanto, aprendi que nada acontece por acaso. Que se essas pessoas se cruzaram comigo, alguma coisa eu tinha para aprender e para viver. A diferen�a entre o grupo em que as coloco reside no facto de como me trataram, e do que fizeram da minha amizade ou do meu amor colocados nas suas m�os.
Tu lembras daqueles grandes espelhos c�ncavos ou convexos que, em certos estabelecimentos, os propriet�rios colocavam � entrada para atrair os fregueses, achatando-os, alongando-os, deformando-os nas mais estranhas configura��es?N�s, as crian�as de ent�o, ach�vamos uma bruta gra�a, por saber que era tudo ilus�o, embora talvez nem conhec�ssemos o sentido da palavra �ilus�o�.N�o, n�s bem sab�amos que n�o �ramos aquilo!Depois, ao crescer, descobrimos que, para os outros, n�o �ramos precisamente isto que somos, mas aquilo que os outros v�em.Cuidado, incauto leitor! H� casos, na vida, em que alguns acabam adaptando-se a essas imagens enganosas, despersonalizando-se num segundo 'eu'.Que pode uma alma, ainda por cima invis�vel, contra o testemunho de milhares de espelhos?Eis aqui um grave assunto para um conto, uma novela, um romance, ou uma tese de mestrado em Psicologia.