DIZEM QUE O CORAÇÃO NÃO DÓI!

Dizem que o coração não dói. E é por isso que dói a camisa que já não é amarrotada pelo abraço de quem falta. Dói o lugar deixado vazio ao nosso lado por quem falta. Dói o chão vizinho do chão onde os nossos pés ficam, porque já não tem os pés de quem falta. Dói o prato preferido de quem falta, sobre a mesa. Dói a vista da janela do quarto que foi, e ainda é, de quem falta. Algo tem que doer. Dizem que o coração não dói, por isso doem as coisas que lembram quem falta, que têm vazio no lugar de quem falta. Dizem que o coração não dói, por isso dói a audição que não escuta aquela voz, a visão que não vê aquele rosto, o olfacto que não cheira aquele perfume, o tacto que não toca naquele corpo que faz laço com o nosso, o palato que não sente a sopa de uma avó. Dói a quentura febril de homem feito ou de mulher feita, só porque lembra a mão que a sentia na testa ainda criança, por quem falta. Dizem que o coração não dói, que não pode doer. Se não pode doer, dói o mês de Outubro e dói o mês de Janeiro, se Outubro foi o mês que trouxe ao mundo e se Janeiro foi o mês que dele levou quem falta. Dizem que o coração não dói, mas sabem lá! Sabem lá como dói trazer no coração um pai, uma mãe, um filho, uma filha ou outra pessoa que nos falta! Sabem lá os que dizem que o coração não dói! Dói! Dói assim – só que essa é a dor que torna impotentes os médicos, por não poderem receitar regressos nem tempo nem memórias boas que atenuem a dor, e é a dor que torna supérfluas as máquinas de diagnóstico de doenças, porque é de amor e de saudade que se trata.

Sérgio Lisardo