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"Tem gente feia, gente bonita, gente assustada, gente com sono, gente no meio de gente. Eu s� olho e tento tocar nessas sensa��es, mas nunca sou exatamente nenhuma delas porque h� muitos anos eu n�o tinha tamanho para ser e assim acostumei.
Eu olho sempre pro rel�gio gigante que fica bem no centro do meu quarto. E sei que todo dia ele passa, sempre �s cinco da tarde. O trem pra sempre. Eu corro junto, ao lado, por um tempo, mas canso j� morrendo de rir. E fico feliz que n�o foi dessa vez. E fico feliz de ter chegado perto. J� senti como � o cheiro de dentro. J� experimentei sentar na janelinha com ele parado. J� me imaginei embaixo, esmagada. Em cima, surfando antes de pegar fogo. Sei todos os �ngulos de ir, mas vivo no lugar de quem fica.
Estou na esta��o h� tanto tempo. E sempre tem gente chegando e indo. E sempre tem amor e bala e dinheiro e cama e �gua e fins de tarde bonitos e brinquedos e catracas com a seguran�a de uma novidade de sempre. Em alguns momentos fica o equil�brio terr�vel de nunca ir. Fica a dor terr�vel de todo mundo que foi. Fica a ansiedade terr�vel de todo mundo que tem pra chegar. Agora. Agora. A cada volta de uma piscada eu tenho minha esperan�a renovada. Mas nenhum desses sil�ncios chega perto do som que � viver ouvindo o mundo se locomovendo enquanto s� tento enxergar de olhos bem abertos sem me mexer. Estar no centro do barulho nunca foi realmente uma solid�o. A troca � t�o bonita porque sorrio achando todos t�o corajosos com seus ternos e pastas e pressas e chegadas e �que mais�. E eles sorriem de volta, me achando corajosa tamb�m em ficar. E s� olhar. E poder amar esse trecho de vida deles ainda mais do que eles pr�prios que nem se percebem em trechos.
Eu vivo na esta��o porque peguei carinho pelas placas e sujeiras e as faxineiras cedinho tirando os estragos do mundo na minha casa de passagem. Acho t�o bonita a sensa��o de estar no �nico lugar onde se pode estar com todos e esperar por mais um trecho de todos. Sei que n�o escolho nada, n�o sigo com ningu�m, n�o conhe�o outras idades e lugares e gastrites e ventos.
Eu sou uma esta��o, � isso. Assim n�o d�i al�m porque eu sei, desde o come�o, que sou passagem. Ent�o, v�o, mas logo apita de novo. E � sempre movimentado, mesmo quando apagam as luzes e a vida dos outros descansam da minha parada. Existe o movimento que fica atrasado no ar e durmo embalada por tanta coisa que quase parece coragem.
At� que hoje, n�o sei se porque enjoei dessa casa da inf�ncia, n�o sei se porque �s vezes o amor � mesmo mais forte que mil anos de seguran�a. Eu pisei tremendo na escada e o homem da catraca era t�o diferente de todo mundo e, pela primeira vez, as placas e mulheres do caixa e bilhetes e pessoas e brinquedos coloridos e apitos e fins de tarde e mo�as da limpeza. Ningu�m tentou me agarrar porque era como se o mundo dissesse �acho que s�o cinco da tarde e uma hora voc� precisa ser mulher�. E eu pedi socorro. Eu n�o sei sair daqui mas quero ir com voc�. Eu tenho cinco anos de idade mas quero ir com voc�. Tudo me d�i tanto e eu tenho tanto medo mas tudo bem, vamos l�. Na pr�xima parada s� me lembra que � bom eu fazer xixi e comer alguma coisa porque t� te achando t�o bonito que talvez eu esque�a."




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