Uma vez, no intervalo, comendo um Bis derretido, pensei isso, pela primeira vez: e se eu ficasse louca? Vi minhas amigas trocando pap�is de cartas, vi uns meninos correndo de testa suada, vi uma professora caminhar como algu�m que pensava em algu�m que ela encontraria no final do dia, vi tudo isso como se n�o pudesse ter, ver, ser. E se eu ficasse louca. Que triste para meus pais, que triste para a carteira vazia da escola, que triste para os livros plastificados com a etiqueta que dizia que era eu. Uma estudante, uma garotinha, com fam�lia, amigos, presilhas de cabelo, camisas brancas PP com um bras�o que trazia um livro e um fogo. Se eu ficasse louca tudo isso seria o qu�? Pra onde iriam os materiais e as pessoas e o amor? E se eu ficasse louca? Quem iria me ver babar num canto de um hospital? Existe louco em casa? M�e ama os loucos? Louco tem amigo? Louco tem livro plastificado? Louco come�a e n�o para mais at� acabar? Louco uma vez, louca pra sempre? Converse. Respire. Pense em garotos. Pense em xampus. Vamos. N�o fique louca. Mude de assunto. Pense na menina mais bonita do mundo e odeie. D� nome pra loucura que ela deixa de ser. Sinta dor com nome que assusta menos. Caia na aula de educa��o f�sica, rale o joelho, sangre, d�i menos. Desembarace os cabelos e sinta que problemas se alisam. Fa�a o papel do Bis virar um barquinho. Isso. Conte uma piada. Se os outros rirem bastante. Se a sua estranheza puder ser amada. Qualquer coisa menos loucura. Pense naquela m�sica da r�dio. N�o, voc� n�o est� triste. Uma fofoca e pessoas em volta. V� at� o banheiro retocar o batom da moranguinho. O professor mais ou menos bonito, por ele. Os outros. Olhe. Os outros. Vamos. Que data mesmo? Da guerra. Que data? Qualquer coisa. Menos louca. O hino. Sujou um pouquinho da meia. Limpinha. D� nome aos problemas. Problemas com nomes s�o problemas e n�o loucuras. Sempre evitando que ela saia. Sempre segurando. N�o caia dura no meio do mundo. N�o se chacoalhe no meio do p�tio. N�o vomite s� porque sei l� o que � isso imposs�vel de digerir e nem quero saber. N�o abrace sem fim porque � preciso sentir o vento com o peito sozinho. Terr�vel mas tem banho quente pra distrair. N�o espanque, n�o soque, n�o chore sangue, n�o arranque a l�ngua, n�o grite, n�o acabe. Siga. Sorria. Mais uma prova. Mais uma festa. Mais um garoto. Sempre um pavor escondido mas nem era nada disso. Sempre uma tristeza abafada mas nem era nada disso. Sempre uma alegria exagerada que ningu�m acolhe e o sil�ncio depois, fazendo curativos na pureza criando cascas. Um dia voc� ser�. O qu�? Normal. Um dia voc� ser�. Normal. Um dia. Enquanto isso, se distraia como a professora que ama, as crian�as que trocam pap�is de cartas, os garotos que correm. Eles est�o se distraindo tamb�m e pensando �olha, uma menina comendo Bis�.�Posted by Emily Portinai