Retrospectivas - � sempre bom lembrar.. C. Buarque�guas passadas n�o movem moinho.Desde muito pequenos ouvimos este ditado, t�o lembrado para nos convencer de que o que passou, passou, vamos tocar pra frente. Isto equivale a dizer que o passado deve ser esquecido. Curioso. Se existem ditados, m�ximas e frases para nos lembrar que devemos esquecer, certamente � porque esquecer n�o � t�o f�cil ou, por qualquer motivo, gostamos de lembrar do nosso passado, n�o lhe parece? De qualquer forma, este tal de passado parece ser causador de um consider�vel incomodo.Bem. Gostando ou n�o, f�cil ou dif�cil, estamos a� no final de mais um ano e as retrospectivas invadem nossas telinhas, p�ginas de revistas e jornais, programas de r�dio em AM e FM. Querendo ou n�o, acabamos trope�ando nos fatos deste passado recente, ocorrido durante o ano. Atendendo ao convite compuls�rio que nos oferece a m�dia esbarramos em um festival de acidentes a�reos, crises no sistema carcer�rio, ataques b�licos no Oriente M�dio, vit�rias e derrotas de times de futebol, gafes cometidas por celebridades, excessos exibidos por l�deres latino-americanos, repercuss�es ao lan�amento de filmes pol�micos, furac�es, terremotos, e por a� vai. Se refletirmos, podemos observar que as retrospectivas n�o se limitam a recursos da m�dia em busca de audi�ncia. N�s mesmos, em nossas reuni�es de fam�lia, nas festinhas de amigo secreto, estamos sempre a rememorar. Imersos em minutos de sil�ncio homenageamos algu�m que se foi ou as v�timas de uma cat�strofe. Chacoalhando em estrondosas gargalhadas, relembramos trapalhadas de um e outro colega. Choramos comovidos ao recordar um ato altru�sta ou as observa��es sabiamente ing�nuas de uma crian�a. Simpatizantes destas mem�rias, nos entregamos ao seu cultivo. Gostamos de lembrar. Acontecimentos carregados de significado negativo fazem parte do passado e, com efeito, n�o nos transportam para conquistas futuras, se deixarmos que nos prendam l� atr�s. Contudo, lembrar o passado nos faz bem. � atrav�s dos fatos vividos que vamos construindo nossa identifica��o individual e social. Esta identifica��o � o que nos permite que assumamos os pap�is que nos cabem enquanto integrantes de uma fam�lia, de uma equipe de trabalho, de membros dos grupos sociais aos quais vamos nos ligando, desligando, religando ao longo do nosso viver. Ora, e � acumulando experi�ncias que vamos escrevendo a nossa hist�ria e solidificando nosso lastro emocional.Vale refor�ar o conceito de experi�ncia. No dicion�rio, conhecimento adquirido pela pr�tica da observa��o ou do exerc�cio; habilidade, per�cia. Experi�ncia, que inclui observar o fato vivido, prestando aten��o a ele, sentindo-o. Experi�ncia, que implica em envolvimento emocional, que nos conecta a outros fatos, situa��es e pessoas. N�o aquelas lembran�as que nos agrilhoam impedindo que sigamos o caminho, tampouco situa��es pastosas, apenas vivenciadas, sem resson�ncia interna. Mas as que nos impregnam de um passado que nos remete ao futuro, constituindo-se em libertadores alicerces. Aquela que transforma em presen�a, a aus�ncia relembrada. Que nos impulsiona a compartilhar e propagar seus efeitos.Vamos sim, neste final de ano, olhar mais uma vez o �lbum de fotos da inf�ncia, o filme das bodas de ouro dos av�s, dos primeiros passos do sobrinho, daquela ceia de natal em que o peru queimou, da formatura da pr�-escola. Ouvir aquela m�sica que nos traz o perfume do primeiro baile ou o frio-na-barriga de um certo beijo. Viver no passado? N�o. Rememorar sensa��es. Reavivar sentimentos.Retrospectiva. Por que n�o? Relembrar nos auxilia a reafirmar e aprofundar nossa pr�pria identifica��o. N�o se trata de remoer fatos vividos. Estas �guas, de fato, n�o movem moinho. Mas, como disseram A. Louro e outros em seu velho samba, Recordar � viver! Lembra-se?