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Tom tem 2 anos e � autista. Ele n�o � diferente de ningu�m. � como dever�amos ser: Vulner�veis. Tom n�o mente, n�o engana, n�o se protege como a gente. Um menino inteligente ao extremo. Sua intelig�ncia � sensibilidade. N�o descansa um minuto de sentir. De piscar compara��es. De fazer opera��es matem�ticas e musicais. Uma pomba na janela � um terremoto. Um tombo na bicicleta � uma colis�o de estrelas. Mexer os cabelos � um aplauso. N�o h� suavidade dispon�vel para sua absor��o. O conhecimento � feito por descobertas chocantes que exigem a mobiliza��o do corpo inteiro. � como se toda a lembran�a fosse sublinhada. � como se toda a observa��o fosse inesquec�vel. Tom me encara de lado, seu ouvido � que me olha. Ele busca n�o interromper o ritmo das coisas. Os objetos t�m sangue. Os objetos t�m porta-retratos. Os objetos t�m rosto. Imagine se voc� realizasse tarefas escutando seu batimento card�aco? Este � o autista. Com o ouvido de dentro e o ouvido de fora, simult�neos. A porta da sala bate na sala e no cora��o. O vento assobia na janela e no cora��o. Eu amo muito o Tom porque nunca vi um pai como God�. God� � aparentemente desajeitado, bo�mio, bagun�ado. Mas se dedica ao filho com uma delicadeza disciplinada que somente existe no interior dos animais selvagens. Sua paci�ncia � um pres�pio inesperado no deserto. Ele explica tr�s, quatro vezes, sem nunca alterar a do�ura do timbre. Sem jamais apresentar irrita��o pela repeti��o. Ainda que esteja compondo ou ocupado com a vida adulta, para a respira��o e se p�e a conversar. Usa as m�os com gestos lentos de giz. Toda resposta � nova mesmo que seja antiga. A aten��o pede a mirada firme e c�mplice, com duas colheres de a��car. Tom pega o arroz com os dedos. God� se aproxima e mostra que o garfo � mais divertido do que a m�o. Tom volta a comer com a m�o. God� insiste que o garfo � uma extens�o de boneco. Uma luva de rob�. Tom entende por cinco minutos, e God� rearticula a f�bula acrescentando um detalhe a mais de ternura. Naquela casa, a noite � tarde demais, a biblioteca � longe demais. As hist�rias est�o pousando a qualquer instante. Tom beija a televis�o. God� diz que a televis�o muito perto machuca os olhos. Tom beija de novo a televis�o. God� pede beijo no lugar da televis�o. O pai � um televisor que n�o prejudica a boca. Tom ri alto. E beija o pai. Para depois voltar a beijar a televis�o.

Fabr�cio Carpinejar


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