N�o existe cavalheirismo em �nibus lotado. N�o, n�o existe. E n�o adianta me dizer que uma vez algu�m cedeu lugar para voc�. E se aconteceu, foge a regra. Eles pedem para segurar tua bolsa, os teus livros, at� que voc� sente em cima dele, mas n�o cedem o espa�o para que voc� sente. E sabe, isso n�o � culpa das pessoas. Entendemos que em nossa cultura existe esse individualismo exacerbado que, por entre todas as possibilidades, est� enraizado em nosso povo, em nossa mente. A vida, dizem, � feita para os bons, para os espertos. E nosso povo entende como regra de vida.
N�o existe cavalheirismo em �nibus lotado, pois todos est�o cansados de um dia frustrante em um trabalho de merda que odeiam. Frustrados porque n�o estudaram o bastante para fazer uma faculdade que lhe desse, al�m de conhecimento, oportunidades. Ou mesmo porque resolveram que n�o iriam roubar determinado objeto e n�o o fez, se arrependendo ali, dentro do �nibus lotado. Um sai, outro entra e, dentre todos, os sortudos sentam. Se esparramam, n�o se importam se o lugar � para idosos e gestantes. Fecham os olhos e fingem dormir para n�o ceder o lugar, torcendo para que algu�m ceda primeira ou �Tente� acord�-lo. Quantas pessoas maquinam suas id�ias fant�sticas enquanto est�o em p�, cansadas, com sono ou frio, ou o calor? Quantos futuros suicidas, marginais, matadores de aluguel, donas de casa e at� futuros frustrados est�o ali? Quantos e mais quantos est�o pensando, maquinando, intercedendo e at� chorando por dentro, em meio a tanta gente, a tanto aperto, a tanto calor e no fundo, no fundo, se sente s�? Sem ningu�m? Sem amor? Quantos est�o sem perspectivas de nada? Ou aqueles que t�m toda a perspectiva do mundo, de uma melhora, e ser�o futuros operadores daquilo que eles mesmos escolhem e a vida estar� p�ssima? Viram corruptos, sonegadores de impostos, presidentes da rep�blica Federativa (Falida) do Brasil?
S�o pessoas, � gente, s�o �ndoles e isso tudo em um mesmo espa�o. Em um engarrafamento sem fim. S�o pessoas que acreditam at� que o Brasil tem alguma chance, acredita at� em remiss�o dos pecados, mas com o passar do tempo dentro do �nibus, dos anos, em um carro econ�mico, das d�cadas em um carro de luxo, passa a acreditar puro e somente no dinheiro? N�o importa como, n�o importa de onde vem. O que importa � o �Agora�.
Imagina quantos daqueles que tiveram uma falsa ilus�o de que o futuro seria melhor? E daqueles que cantavam: �Tente outra vez� ou �Num tempo, p�gina infeliz da nossa hist�ria, passagem desbotada da mem�ria das nossas novas gera��es, dormia a nossa p�tria m�e t�o distra�da sem perceber que era subtra�da em tenebrosas transa��es� com a vida toda acabada, mas pensando que no futuro ter�amos melhores jovens, pessoas que se importassem com pol�tica al�m do �Todo pol�tico � ladr�o�? Mal sabiam que o futuro era uma corja de jovens e adolescentes acomodados com seus celulares, notebooks, fones de ouvido, latinhas de refrigerante e gritando: �Viva a democracia!� sem ao menos saber o que � democracia. O que diriam eles ao perceberem que o futuro era acomodado, era cego, era podre? Reivindica��es erradas, sentimentos deturpados, onde amor era neg�cio, pobre era mal educado, rico corrupto era bonzinho, e os nossos governantes eram ladr�es que usavam terno e gravata.
N�o existe cavalheirismo em �nibus lotado, pois os �nibus lotados j� � a prova viva que a dignidade humana est� no buraco. O dinheiro, a verba para novos �nibus, mobilidade urbana, todo ele foi para o bolso de algum figur�o da alta sociedade.
Pois eu te digo, com toda sinceridade, eu n�o culpo o n�o cavalheirismo dentro do �nibus lotado, eu me culpo por mim e por todo o resto que n�o souberam votar, que n�o reivindicaram na hora certa e se deixaram levar pelos �P�es e circos� que a vida nos traz. Por termos sido t�o ignorantes e passivos. Mas eu n�o vou mais, cansei. Fa�o das minhas palavras o meu grito de socorro: Salvem o Brasil dessas sanguessugas antes que eles nos suguem mais 300 anos de vida, nos tornando escravos de nossa ignor�ncia branca, das novelas e do futebol.