N�o estamos mais com fome. Estamos sem dinheiro pro delivery. N�o sentimos mais frio, nem calor, porque a solu��o j� vem encapsulada como climatizadores de ambiente por um precinho camarada que a gente s� vai ficar sabendo no fim do m�s. Estamos s�s. Mergulhado nessa dor do cotidiano, enrolando mechas de cabelo nos dedos, mordendo tampas de caneta at� o gosto do t�dio se transformar em algum tipo de doen�a da modernidade no seu est�mago. Deixando a barba por fazer, observando an�ncios de televis�o com homens de cara engra�ada super felizes por beberem uma coca-cola (As pessoas ainda n�o sabem que o rato � o que faz menos mal, mas deixa isso pra l�) enquanto aquela consci�ncia primitiva diz: Mas a felicidade deve ser uma babaquice mesmo. E �. Sempre foi. A inconsci�ncia � a felicidade dos dias de hoje, e isso nos mata. N�o sabemos que ficamos felizes quando algu�m estranho sorri pra gente. Ou ent�o nem ficamos mais felizes, vai saber. Mas olha l�, aquele homem estranho, sorrindo � toa. Deve ter problemas mentais, vamos mudar de cal�ada. N�o percebemos que o problema est� no mundo, est� na vida, est� no ser humano generalizado pela cara de paisagem. A maior parte das ilustra��es feitas sem muito capricho por crian�as e alguns adultos s�o bonecos de palitos. E vejam s�, sem rosto. A arte da rotina � a resposta pro fato de dois olhos, um nariz e uma boca serem coisas completamente descart�veis. N�o sabemos que aquela sensa��o de impot�ncia quando vemos um passarinho preso numa gaiola min�scula � o reflexo da nossa alma, � um pedido de socorro da nossa exist�ncia que n�o pode nem sequer cantar e pular de uma grade pra outra. E passamos sem reparar nessa sensa��o de impot�ncia, porque n�o temos mais mil�simos de segundo dispon�veis para compreender o que a irracionalidade, por vezes t�o mais l�cida, quer. Passamos sem nem olhar para os p�ssaros. S� reparamos em p�ssaros quando eles morrem em pr�dios espelhados ou pior ainda, quando causam acidentes nos aeroportos. � ir�nico. O original causando pane nas imita��es antropof�gicas. Mas n�o rimos. N�o achamos engra�ado. N�o lembramos mais que gente n�o pode voar, porque dizem, sim, que a gente pode voar. Principalmente nas propagandas de cart�o de cr�dito que dizem que nossos sonhos podem se realizar. N�o paramos pra pensar quais s�o os nossos verdadeiros sonhos. Talvez seja mais do que comprar uma casa, um seguro, um carro, uma moto.. Talvez seja menos do que isso. Talvez seja ter algu�m pra ligar no fim do dia sem que a droga da companhia telef�nica decida que voc� n�o paga o suficiente pra curar a solid�o. Com amor � mais caro. Com amor � mais caro.. Talvez seja ter o prazer de rasgar os pap�is do trabalho ou da escola. Mandar o professor de f�sica ir pro inferno e passar o resto dos dias sendo um lascado na vida, mas o principal: Sabendo que tem uma vida e que ela passa extremamente r�pido, como se tivesse fugindo desse universo t�o pequeno pra ela. A vida passa depressa, mas a gente passa por ela devagar, com medo de chegar ao final da linha. S� os idiotas querem viver at� os noventa anos. Por qu�? Pra que? Mais dinheiro pro governo, s� isso. Mais problema pros filhos que j� ter�o seus pr�prios filhos, amamentados num banco de �nibus, acarinhados numa cadeira de creche. S� idiotas querem viver tempo suficiente pra verem as rugas aprisionando as l�grimas e se questionarem, quando nada mais restar, o que droga fizeram com eles pr�prios. Talvez n�s s� queiramos sonhar. Sonhar mesmo. Deitar a cabe�a no travesseiro, sem rem�dios e sem contas, e sonharmos acordados com aquela paix�o que � mais do que um beijo, mas ningu�m precisa saber. Nem voc�. N�o precisamos saber que um beijo � pouco demais. Que esquecer.. � t�o dif�cil, � t�o doloroso. Que chorar por algu�m � pedir desculpas ao pr�prio corpo. Que amor de verdade n�o acaba com um �j� foi tarde�. �Arranjei coisa melhor�. Coisa. Coisifica��o e animaliza��o. Piranha, cachorro, cadela, vaca, gato, galinha. N�o precisamos saber que amor � cansativo, e � mesmo. S� precisamos saber que cansamos e � melhor partir pra outra. Que a cama de fulano ou ciclano � mais aconchegante. Que estamos melhor agora, porque nunca estivemos bem pra valer. S� precisamos saber que h� mais peixes no oceano, porque somos jovens. Ou no aqu�rio, que seja. Os psic�logos de hoje em dia rezam pra falta de tempo dos clientes, porque s� por isso eles comem. A loucura � hoje t�o banal que ningu�m quer mais saber de se tratar. O que mata, mesmo, � a tristeza. E tristeza � coisa pouca, � uma pedra no sapato que a gente faz toda uma an�lise existencial pra poder tirar. Gente que tem o t�tulo de gente n�o tem mais a pr�tica de observar coisas que ainda n�o observaram por eles. D� pregui�a perceber. D� pregui�a perceber que n�o estamos mais vivos. Estamos conectados.