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Uma vida humana.
Cada um de n�s nasce enquadrado. Acordamos do nada e nos encontramos jogados dentro de uma classe, de uma ra�a, de uma na��o, de uma cultura, de uma �poca. Nunca mais conseguimos nos desvencilhar completamente desse enquadramento. Ele nos faz o que somos.
Mas n�o tudo o que somos. O indiv�duo sente e sabe tamb�m ser mais do que essa situa��o ao mesmo tempo definidora e acidental. Ela nos quer aprisionar num destino espec�fico. Contra este rebela-se, em cada pessoa, o esp�rito, que se reconhece como infinito acorrentado pelo finito. E tudo o que quer o esp�rito � encontrar uma moradia no mundo que lhe fa�a justi�a, respeitando-lhe a voca��o para transgredir e transcender. Por isso, as ra�zes de um ser humano deitam mais no futuro do que no passado.
Entretanto o indiv�duo cedo precisa abandonar a id�ia de ser tudo para que possa ser algu�m. Escolhendo e abrindo um caminho ou aceitando o caminho que lhe � imposto, ele se mutila. Suprime muitas vidas poss�veis para construir uma vida real. Essa mutila��o � o pre�o de qualquer engajamento fecundo. Para que ela n�o nos desumanize, temos de continuar a senti-l�: A dor no ponto da amputa��o e os movimentos-fantasmas dos membros que cortamos fora. Precisamos imaginar a experi�ncia das pessoas que poder�amos ter sido.
Depois, j� mutilados e lutando, vemo-nos novamente presos dentro de uma posi��o que, por melhor que seja, ainda n�o faz jus �quele esp�rito dentro de cada pessoa que � o infinito preso no finito. Rendendo-nos, por descren�a e desesperan�a, a essa circunst�ncia, come�amos a morrer. Uma m�mia se vai formando em volta de cada um de n�s. Para continuar a viver at� morrer de uma s� vez, em vez de morrer muitas vezes e aos poucos, temos de romper a m�mia de dentro para fora. A �nica maneira de faz�-lo � nos desproteger, provocando embates que nos devolvam � condi��o de incerteza e abertura que abandonamos quando aceitamos nos mutilar.
� do h�bito de imaginar como outros sofrem a mesma trajet�ria que surge a compaix�o. Aliada ao interesse pr�tico, ela nos permite cooperar no enfrentamento das condi��es que tornam o mundo in�spito ao esp�rito. E � para torn�-lo mais hospitaleiro ao esp�rito que precisamos democratizar sociedades e reinventar institui��es. Temos de desrespeitar e reconstruir as estruturas para poder respeitar e divinizar as pessoas.
Vivemos, por�m, em tempo biogr�fico, n�o em tempo hist�rico. Precisamos de solu��es que nos atendam no espa�o das vidas que temos para viver. Qualquer constru��o institucional precisa, para avan�ar, beber na seiva de frustra��es e aspira��es pessoais.
Uma do�ura gratuita, calor misterioso, j� une o Brasil. Ser� que nasce da sabedoria a respeito das coisas mais importantes? A maioria dos brasileiros parece saber, instintivamente, a verdade sobre o drama do esp�rito-tudo que eu trabalhei t�o penosa e tardiamente para descobrir. N�o conseguimos, por�m, passar da intui��o da realidade existencial � imagina��o das possibilidades coletivas. Ainda nos faltam clareza sobre um rumo para o pa�s e confian�a em nossa capacidade para desbrav�-lo. Desiludidos da vida p�blica, temos de passar pela desilus�o da desilus�o e nos fazermos profetas de nossa pr�pria grandeza.

Roberto Mangabeira Unger


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