Quando criança, desde os cinco anos, eu frequentava o armazém, sempre desacompanhado. Era escalado para trazer alguma compra de última hora pelos pais. Ou arroz, ou feijão, ou batatas, em especial quando recebÃamos uma visita inesperada e tÃnhamos que aumentar as porções dos pratos. Ninguém se preocupava com segurança. Eu caminhava livremente, ia e voltava a pé da escola. Brincava todo o dia na rua, de caçador, de amarelinha, de pião, de pega-pega, de esconde-esconde.
Hoje as crianças não podem nem mais andar sozinhas da sua casa para a padaria. Poucas quadras podem ser letais. Porque elas morrem. Elas são visadas por abusadores, são vÃtimas de psicopatas, são presas de uma crueldade inexplicável e desumana.
A menina Bárbara Vitória Lopes, de 10 anos, nunca voltou com o saco de pães para o jantar de domingo (31/07/2022). Obediente, carinhosa, aluna da Escola Municipal Armando Ziller, esbanjava carisma com os moradores de seu bairro Landi. Precocemente responsável, cuidava dos seus irmãos mais novos, de 1 e 3 anos, enquanto os pais trabalhavam.
Na câmera do comércio, vestindo a camiseta dez do Galo, ela acena com um tchau. Era um definitivo adeus. Seu sorriso não previu o perigo. Foi raptada durante o caminho de volta. Não imaginava que seu corpo seria encontrado na manhã de terça-feira (02/08/2022), logo num campo de futebol que tanto adorava, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG). Estava amarrada, com sinais de violência e enforcamento, atrás de uma das traves. Quem a localizou disse que ela parecia uma boneca de tão pequena, encolhida, indefesa, frágil. Uma boneca carente de sua mãe, de sua menina.
Eu fico envergonhado de existir.