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Acho que tenho feito tudo do jeito melhor, meio torto, talvez, mas tenho tentado da maneira mais bonita que sei... Fiquei surpreendido com o grau de vampirização das pessoas: Todas elas preocupadíssimas em falar, falar, falar, extrair opiniões, orientações, dicas, dizer coisas inteligentes, mostrarem que não são caretas, que não têm medo, que não sentem dor. Cada contato meu com alguma pessoa representava uma perda enorme de energia vital: Eu saía esgotado, confuso, com dor de cabeça e, principalmente, com dor por não poder fazer nada pelo desespero alheio. A minha própria miséria aumentava. Foi aí que a solidão deixou de ser involuntária para se transformar em escolha. E foi bom, está sendo bom. Passo o dia lendo, ouvindo música, vendo velhos filmes na televisão, de vez em quando vou ao cinema ou saio para passear na beira do rio que passa atrás do edifício. Fico lá sentado numa pedra, tomando um café e pensando nas pessoas, coisas que perdi ao longo dos anos, senão em afeto, pelo menos em proximidade física, possibilidades dentre tantas oportunidades ou bens materiais. De vez em quando choro, é bom chorar, eu não tenho vergonha, mas em todos os momentos existe a certeza de ter feito uma escolha acertada, de estar caminhando em direção à luz. Não nego nada do que fiz, também não tenho arrependimentos ou mágoas: Eu não poderia ter agido de outra maneira — Mesmo em relações, envolvimentos — Levando em conta o quanto eu sou confuso. Também já não tenho aquelas queixas infantis, na base do "Tudo dá errado pra mim", ou autopunições como "Eu sou um besta, faço tudo errado". Nada é errado, quando o erro faz parte de uma procura ou de um processo de conhecimento. Gosto de olhar as pedras e os desenhos do vento na superfície da água, gosto de sentir as modificações da luz quando o sol está desaparecendo do outro lado do rio, gosto de sentir o dia se transformando em noite e em dia outra vez, gosto de olhar as crianças brincando no corredor de entrada e das palmeiras que existem no meio da minha rua — Gosto de pensar que vou, todavia ter olhos para gostar dessas coisas, e por mais sozinho ou triste que eu esteja vou ter, todavia esse olhar sobre as coisas. Não sei muito, também não tenho muito, também não quero muito, mas estou aprendendo a respirar o ar das montanhas.

(Trecho De "Cartas", Página 375, De Caio Fernando Abreu.)


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