Na coleção de domingos, aquele em que alguém, em algum lugar do mundo sonhou ter uma janela com vista pro mar dentro de um coração como o teu.
Um coração gentil.
Que já adormeceu chorando.
Se interessa por hortas populares, seres extraterrestres, filmes de Natal, as histórias das canções,
Que gosta de gente, ama bicho, cheira flor em canteiros alheios. Também abraça os medos, dança em abismos.
E exibe marcas, manchas, cicatrizes, pedacinhos quebrados. Que graça teria um coração intacto?
Um coração que brilha nos olhos.
E, no meio de um dia útil junta um punhadinho de palavra eletrônica pra dizer que o céu também parece apaixonado, que encontrou aquele tempero, que sorriu lembrando do beijo.
Um coração leal.
Que não vai embora no primeiro vendaval e, em caso de incômodo, fala antes que a mágoa se instale. Que se apaixona de novo, em uma quarta qualquer, vendo que a pessoa amada dormiu no sofá da sala, de camiseta e meia, lendo um livro que já foi lido e usando óculos de sol porque perdeu o óculos de grau.
Um coração emocionado.
Que dança com movimentos de sÃstole e diástole diante de um casal que entrelaça as mãos na mesa da pizzaria, de um filhotinho de cachorro de pernas cruzadas vendo a vida passar, do senhor que caminha devagarinho na calçada, levando uma sacolinha de pão e um buquê de margaridas.
Um coração romântico.
Que não cansa de restaurar a fé no sentimento, lembra como é a vida sem redes sociais, está aprendendo a pedir ajuda. E que é meio Bethania dizendo que não aguenta a realidade sem um pouco de delÃrio. Sabe?
Um coração exausto.
Que não consegue nem imaginar punir alguém com silêncio. Não acha que fazer terapia é salvo conduto pra jogar com as emoções de alguém. E que ama Franciscos. Buarque, Oceano, de Assis.
Um coração que passou por alguns naufrágios.
Vez em quando cantarola o poema do Wally Salomão
"Sim, eu estou tão cansado, mas não pra dizer, que eu não acredito mais em você".
E teima em não perder a ternura.
Porque sabe.
É feito pra colecionar domingos.
E ser profundamente amado.
Palavra.
— Cris Lisbôa