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Aproveito para abordar rapidamente outra consequência dessa fortíssima aura de romantização que paira sobre nossa fantasia coletiva de largar o caos da cidade para ir viver no campo. Parecemos estar convencidos de que todos os problemas da nossa vida seriam resolvidos se pudéssemos dar as costas à civilização para ir criar galinhas. É curioso como os seres humanos são criaturinhas tão engenhosas quando se trata de fabricar soluções mágicas para qualquer coisa. Só há um pequeno inconveniente: A magia delas só opera mesmo no plano das ideias.
A dura realidade é que nada poderia fazer desaparecer magicamente todos os problemas da nossa vida - Nem mesmo uma cabana no meio do mato, porque parte dos problemas da nossa vida tem mais a ver conosco e menos com o ambiente que nos circunda, é claro que seria falso e desonesto afirmar que ele não impacta o nosso índice geral de contentamento - Mas também não representa uma sentença, uma pessoa não está automaticamente condenada à infelicidade eterna por viver num ambiente desfavorável, do mesmo modo que viver num ambiente tido como ideal não garante de imediato alegria nem paz de espírito a quem quer que seja.
Voltamos àquela antiga máxima que a humanidade conhece há tantos séculos sob diferentes formas, e que foi difundida Jon Kabat Zinn no titulo do seu célebre livro de 1994: Aonde quer que você vá, é você que está lá.
Podemos crer o quanto quisermos que seremos enfim salvos, de nossos tormentos ao fugir da civilização; Mas não há fuga possível da nossa própria alma. Podemos mudar o cenário, mas a nossa presença sempre será a constante que o colore e determina se ele terá tons vibrantes ou desbotados. Nossa jornada mundo afora nada mais é que um espelho do percurso interno que trilhamos, mesmo quando estamos imóveis. Não cabe exclusivamente a cor azul ou cinza do céu ditar o humor do dia, mas também à luz e à sombra que carregamos sempre conosco, pouco importa a previsão do tempo. No topo de uma montanha, num vasto deserto, numa cabana na floresta ou numa metrópole cheia de letreiros néon - Aonde quer que formos, seremos nós que lá estaremos.
Não, nos afastar da sociedade certamente não vai fazer desaparecer todas as nossas inquietudes e transtornos. Porém, é preciso admitir que, se esse sonho cresce e se difunde de maneira tão acentuada a nível global na nossa era, deve existir uma razão. E a razão, do meu ponto de vista, é que esse afastamento pode até não ser capaz de resolver todos os nossos problemas, mas a ideia faz perfeito sentido diante da realidade do nosso tempo, sobretudo se pensarmos na vida nas grandes cidades.
Ei, não faça essa cara, como se eu estivesse agora contradizendo minhas próprias palavras, o que eu havia dito é que parte dos problemas da nossa vida tem mais a ver conosco e menos com o ambiente que nos circunda, e a outra parte, bem... a outra parte tem mais a ver com o ambiente mesmo. Eu sei que gostaríamos muito de poder mexer em um único aspecto da nossa existência e ser felizes para sempre, mas a felicidade - infelizmente, e felizmente – é multifatorial.
Como já discuti antes, essa vontade de se reconectar com um modo de vida mais natural, pode ser encontrada em vários períodos diferentes da história. Ainda assim, não se pode negar que o período da história que vivemos agora é deveras peculiar. Ao longo dos séculos e milênios, todas as gerações tinham a impressão de viver numa sociedade muito avançada ao comparar a vida que levavam com a de seus antepassados. É verdade. No entanto, também é preciso liderar que o ritmo das mudanças tecnológicas na era contemporânea é acelerado como nunca.
Se pensarmos nos últimos trinta anos, testemunhamos a ascensão da internet, a revolução dos smartphones, a proliferação das redes sociais, a popularização de veículos elétricos e autónomos, avanços significativos na biotecnologia e na inteligência artificial, entre muitas outras inovações. Esses desdobramentos transformaram fundamentalmente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos comunicamos. Em trinta anos, houve muito mais mudanças profundas na sociedade do que aquelas observadas ao longo do século dezenove inteiro, por exemplo - E isso porque fui gentil e escolhi um século não tão distante assim do nosso.
No geral, todas as gerações de seres humanos experimentaram metamorfoses de uma maneira ou de outra, mas elas costumavam se concretizar num ritmo muito mais lento e incremental. Assim, essa assombrosa sensação de que estamos vivendo numa era de desenvolvimento sem precedentes é mais justificada que nunca, porque o mundo de hoje é capaz de se transformar de maneira drástica em questão de uma década, algo que jamais aconteceu com tamanha intensidade em tempos passados.
A realidade é que todas essas transformações que nos humanos passamos nos abriram uma das maiores feridas modernas: A horrível falta que nos faz o contato com outros seres humanos. Talvez por isso muitas pessoas se sentem perdidas e queiram muito reencontrar a conexão com a natureza e as conexões reais com as pessoas.

— .(Escrito dia 20/08/2024, ás 16:22).





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