OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO
� Carlos Drummond de Andrade
Chega um tempo em que n�o se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depura��o.
Tempo em que n�o se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou in�til.
E os olhos n�o choram.
E as m�os tecem apenas o rude trabalho.
E o cora��o est� seco.
Em v�o mulheres batem � porta, n�o abrir�s.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
�s todo certeza, j� n�o sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que � a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele n�o pesa mais que a m�o de uma crian�a.
As guerras, as fomes, as discuss�es dentro dos edif�cios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando b�rbaro o espet�culo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que n�o adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida � uma ordem.
A vida apenas, sem mistifica��o.
Os versos acima foram publicados originalmente no livro "Sentimento do Mundo", Irm�os Pongetti - Rio de Janeiro, 1940. Foram extra�dos do livro "Nova Reuni�o", Jos� Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1985, p�g. 78
� CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
>