"Não resisti. Regressei à minha velha casa, e ali, sob a sombra do tamarindo, me deixei afogar em lembranças. Olhei a imensa copa e pensei: nunca fomos donos do tamarindo. Era o inverso, a árvore é que tinha casa. Se estendia, soberana, pela pátio, levantando o chão de cimento. Eu olhava aquele pavimento, assim enrugado pelas raÃzes, se erguendo em placas, e me parecia um réptil mudado de pele.
O tamarindo mais sua sombra: aquilo era feito para abraçar saudades. Minha infância fazia ninho nessa árvore. Em minhas tardes de menino, eu subia ao último ramo como se em ombro de gigante e ficava cego para assuntos terrenos. Contemplava era que no céu se cultiva: plantação de nuvem, rabisco de pássaro. E via os flamingos, setas rapidando-se furtivas pelos céus. Meu pai sentava em baixo, na curva das raÃzes, e apontava os pássaros:
– Olha, lá vai mais outro!"
(Mia Couto, in "O último voo do flamingo".)