Eu tinha cinquenta anos quando descobri que meu marido — sim, o Marco, aquele que fazia drama por causa da massa cozida demais — decidiu ir embora com a psicóloga dele, com quem “estava tentando se encontrar”.
Sempre animada, de salto alto, com aquela voz de apresentadora de reality show. Até com o entregador ela falava como se estivesse no palco.
— Eu preciso viver por mim — disse ele, com ares de quem está abdicando de um trono — quero descobrir quem eu realmente sou.
Quem é você, Marco? O homem que perde as chaves três vezes por mês no mesmo bolso? Aquele que me liga perguntando o PIN do próprio cartão?
Fiquei em silêncio. Não por estar surpresa, mas por uma paz que só vem depois de muito cansaço. Depois de anos ouvindo explicações como:
“esqueci”,
“mudei de ideia”,
“não entendi direito”…
as palavras dele viraram um zumbido de fundo.
Mas eu lembrava.
De quando lavava à mão o suéter favorito dele mesmo exausta.
De quando suportava jantares entediantes com os amigos dele, ouvindo conversas sobre finanças e futebol.
De quando aguentava o silêncio dele, os fechamentos, os “preciso pensar” semanais.
E agora ele vai “se reconectar” com uma garota que acha que Picasso é marca de tênis.
— Não tem nada a ver com você — disse ele, evitando olhar nos meus olhos.
Claro.
Eu sou a versão vencida. Agora está na moda tudo “sem açúcar e com mindset positivo”.
— E você? O que vai fazer agora? — perguntou ele, como se eu tivesse ficado com nada.
— Vou fazer o que você nunca teve coragem — respondi, fechando o meu roupão como quem veste uma armadura — viver.
E ele foi.
Com a mochila de aventureiro e a jaqueta amassada, mais cheia de nostalgia do que de coragem.
Eu fiquei.
Sozinha. Mas não perdida.
Peguei aquela garrafa de vinho que guardávamos “para uma ocasião especial”.
Abri. Bebi.
Porque sair da vida com Marco já era um bom motivo para comemorar.
No dia seguinte, fui:
ao cabeleireiro,
ao banco,
à padaria onde sempre quis provar a torta de cereja, mas “nunca deu tempo”.
E à noite, criei um perfil num aplicativo de encontros.
Não para buscar alguém.
Só para lembrar a mim mesma que eu ainda estou aqui.
E que talvez ainda haja alguém que me veja com interesse. Mesmo sem eu procurar.
Naquela noite, adormeci com um livro nas mãos e o gato nos pés. Sem penteado. Sem plano.
Mas com o coração leve.
Porque às vezes não se trata de recomeçar com outra pessoa.
Às vezes, trata-se apenas de começar por si mesma.
E sabe o que mais eu entendi?
Uma mulher precisa ser, antes de tudo, sua própria aliada.
Eu me amo, não porque sou perfeita, mas porque finalmente me permiti viver sem medo.
Mulheres, amem-se. Valorizem-se todos os dias. Vocês merecem o bolo inteiro, não só as migalhas.
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