« Anterior 27/07/2025 - 17:16
Minha filha partiu todos os pratos do armário de porcelana durante um episódio maníaco. E eu… eu apenas sentei no chão frio da cozinha, rodeada por vinte anos de memórias estilhaçadas.

Os paramédicos tinham acabado de levá-la. Mais uma espera de 72 horas.
Eu tinha cinquenta e dois anos.
Sozinha.
Encarando os cacos da vida que pensei que estávamos a construir juntas.

Meu vizinho, gentil, murmurou:
“Jogue tudo fora. Às vezes, a gente só precisa recomeçar.”

Mas como se joga fora uma história? Como se deita no lixo o salgueiro azul da festa de casamento, os pratos de Natal usados por 17 anos seguidos, ou aquela chávena infantil que ela me deu aos oito, ainda acreditando que eu podia consertar o mundo?

Varri os pedaços para dentro de caixas e disse a mim mesma: “Depois eu lido com isso.”
Mas o depois virou semanas. As semanas, meses.
Até que uma manhã, ao ver as rachaduras no cimento da passarela da frente — tão partidas quanto eu —, algo dentro de mim se partiu de vez… ou talvez tenha começado a se juntar.

Foi aí que encontrei uma artista incrível no app Tedooo. Ela fazia mosaicos de jardim com cerâmica quebrada. Conectei-me com ela — talvez porque eu também tenha uma lojinha por lá, talvez porque ela parecia compreender algo mais profundo.
Contei-lhe minha história.
Ela não me vendeu só suprimentos. Ela me enviou um bilhete, à mão, com três palavras que me quebraram de um novo jeito:
“Fazer beleza do quebrado.”

Três semanas depois, ajoelhada na terra, mãos sujas de grouta e alma coberta de pó e lembranças, comecei a encaixar cada fragmento como se fosse uma prece.
E no momento em que coloquei o último pedaço — a alça da chávena que ela me dera em criança — minha filha chegou.
Ficou ali, em silêncio, olhando para o mosaico do nosso passado.

Então ela se ajoelhou ao meu lado.
“Mãe…” sussurrou, os olhos marejados. “É lindo.”

E nós choramos.
Ali, abraçadas sobre um caminho feito de cacos, aprendemos que algumas histórias não terminam com tudo consertado — mas podem, ainda assim, florescer de forma inesperada.
Porque há beleza nos estilhaços.
E amor bastante para recomeçar sobre eles.

 

: https://t.me/sobreliteraturaa


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